terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Um Rito para o Começo de Ano

Ofereço a vocês um rito específico para o começo deste ano de 2014. Eu o publiquei inicialmente na comunidade Repensando a Magia e o Ocultismo. Clique aqui para ver o post original. 

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O ano de 2014 está chegando e no dia 1 de janeiro haverá Lua Nova, começando já de manhã.
É um fenômeno um tanto incomum, a Lua Nova (que é um começo de ciclo que dura um mês) alinhar-se tão exatamente com o primeiro dia do ano (que é o começo do ciclo do ano). Pelo que sei, a última vez que aconteceu este fenômeno foi de 2005 para 2006.

São duas egrégoras agindo em conjunto. Um bom momento para realizar uma operação mágica. No entanto, como trata-se da Lua, eu não considero interessante realizar um rito de dia (mesmo com a Lua Nova começando de manhã). Este horário não seria respeitoso pois não tem a ver com a noite, que é associada ao simbolismo da Lua. Mas é claro que não se conseguirá ver a Lua à noite, afinal é Lua Nova. Melhor então esperar até tarde da noite para começar.

O objetivo de um rito neste momento seria uma conexão com o sagrado feminino (relacionado à Lua), apresentando-se com sinceridade e humildade (de joelhos pois trata-se do sagrado, em um ambiente sem interferência, e preferencialmente com vista ao ar livre se possível), colocando ali todas as dificuldades, as buscas pessoais, e também aquilo que se ama mais (sempre há algo que amamos e que vale qualquer sacrifício, não é?). Tudo isso representa um nó a ser desatado e às vezes não sabemos como fazer isso. Deve-se pedir neste rito também que este nó seja desfeito, seja qual for e, finalmente, deve-se agradecer. Note que o formalismo do rito não é importante, e sim sua essência.

A magia, quando envolve a Lua, pode produzir resultados iniciais muito rápidos. Isso porque o ciclo da Lua é veloz, levando um mês aproximadamente para se completar. Muitas vezes, já na primeira semana, os indícios iniciais começam a surgir, vindo a se confirmar no decorrer do ciclo lunar.

Só que a Lua Nova é um momento de conjunção da Lua com o Sol, e estamos falando justamente do início do período de um ano, onde o Sol será totalmente circulado pela Terra. Então podemos esperar também resultados neste período. Isso sem mencionar o poder das intenções de tantas pessoas para o novo ano ocorrendo simultaneamente.

Alguns de vocês já devem estar cultuando a alguma divindade especifica feminina que tem relação com a Lua Nova. Se for o caso, não percam o momento.

Caso desejem realizar o rito e obtenham resultados, sintam-se livres para compartilhá-los se assim tiverem intenção.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Edgar, o Dentista

O ano de 2014 está chegando e resolvi preparar um presente para vocês. É a crônica “Edgar, o Dentista” do meu blog Incongruências Urbanas.
Desejo a todos vocês um feliz ano novo, com saúde, felicidade e prosperidade!

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Eu era ainda criança quando vi Edgar pela primeira vez. Foi no dia que meu pai me levou ao seu consultório. Recordo-me da primeira impressão que tive: um homem alto, de sobrancelhas grossas, cabelos negros e curtos, pele clara e os olhos característicos dos japoneses e de outros asiáticos. Estava sorridente (quase sempre Edgar é sorridente). Porém eu era pequeno e assustei-me. Não sei porquê algumas pessoas transmitem tranquilidade às crianças e outras não o fazem, não importa quão simpáticas sejam.
Seus pais deram-lhe um nome japonês: Yoshiro. No entanto, nunca sentiu-se confortável com o nome com que fora registrado. Por isso escolheu para si mesmo chamar-se de Edgar, e é assim que gosta de ser conhecido.

No consultório, um fato que chamou-me a atenção já de início foram seus diplomas e certificados. Eram muitos, todos distribuídos pela parede e protegidos por uma superfície de vidro. Aquela seria a primeira de muitas vezes em que eu iria tratar-me com ele. Enquanto aguardava a vez, entre uma revista e outra, eu os admirava. Acredito que nunca deixei de olhá-los, mesmo que de relance, sempre que voltei ali. Cursos, especializações das mais diversas, em muitos lugares e muitas épocas. Eu sempre perguntei a mim mesmo como podia ser possível alguém dominar tantas técnicas e especialidades. É algo que até contradiz o próprio conceito de especialidade. Afinal, se você tem diversas delas, você pode ser considerado um especialista?

Se eu não conhecesse Edgar, eu poderia dizer que todos aqueles documentos eram apenas conversa fiada, e que não era possível alguém conhecer tanto sobre seu ofício. Mas eu o conheço. Edgar é, de fato, um odontologista capaz de fazer qualquer coisa. Do mais banal ao mais complexo. Seja uma simples limpeza, seja um canal, uma obturação, uma extração, uma prótese, etc. Nada lhe causa insegurança.

Na realidade, há uma ressalva: extrações deixam-no impaciente. Certa vez eu perguntei a ele se seria indicada uma extração em um dos meus dentes do siso. Respondeu-me de uma forma, no mínimo, inusitada:
- Rogério, eu posso até extrair esse seu dente, mas vou cobrar mais do que o faria para um canal...

Espantei-me. Era uma forma de cobrar que me parecia bizarramente invertida. Repliquei:
- Nossa! Porque isso? A mim parece não fazer sentido algum.
Ele prosseguiu:
- Na semana passada eu tratei uma doutora, professora universitária. Você não imagina quanto trabalho eu tive para extrair um dente dela. Por isso eu digo: vamos cuidar desse dente ao invés de extraí-lo. Isso vai lhe sair muito mais barato.
E assim o fizemos.

Certa vez eu precisei tratar um canal.  Edgar propôs uma alternativa:
- Bom, este é um caso de canal. Eu posso tratá-lo da forma que se faz usualmente, porém existe uma outra opção.
- Outra opção?
- Sim. É algo que não se faz mais, mas que eu acredito que vai dar certo. Eu posso, como diria... mumificar esse canal. Ele simplesmente vai secar e perder a função.

Edgar e suas experiências. Concordei em deixá-lo realizar o procedimento. Muitos anos se passaram então e eu havia viajado. Mastiguei algo que acabou por quebrar aquele dente. Como iria passar muitos dias ali, resolvi ir a uma clínica odontológica. Após analisar uma radiografia de meu dente, um dos profissionais resolveu pedir ajuda ao vizinho, do outro consultório:
- Não sei como interpretar esta radiografia. Veja só (mostrando a radiografia). Não foi feito o canal, mas aparentemente não há o nervo.
O colega chamou um outro que, enfim, reconheceu a técnica que havia sido utilizada. Voltou-se para mim:
- Esta técnica é bem pouco usual. Não está errada, mas não se costuma realizá-la. Não foi feito o tratamento do canal mas o nervo foi morto. Você estava ciente disso?
- Sim. Eu estava - confirmei.
Esta, na realidade, não foi a única vez em que precisei explicar o tratamento deste meu dente.

Pelo que soube, não demorou muito para que Edgar se tornasse o dentista mais requisitado da Vila Suíça. Digo dentista ao invés de odontologista porque é assim que o povo se habituou a chamá-lo, e eu me incluo no povo. Sua fama cresceu, fosse por todas suas especialidades, fosse pelos tratamentos com valor realmente em conta que sempre praticou, e fosse principalmente pelo prazer com que lida com sua clientela, sempre contando histórias. Certa vez contou-me uma delas:
- Vou contar-lhe algo sobre o Japão.
- Fique à vontade - balbuciei com um lado da boca todo anestesiado.
- Aqui no Brasil é muito perigoso para as crianças atravessarem as ruas sozinhas. Concorda?

Seria certamente mais fácil para mim se eu apenas precisasse ouvi-lo, porém ele frequentemente solicitava que eu interagisse. Eu nada disse e ele repetiu:
- Concorda?

Não havia o que fazer. Eu precisava dar-lhe um retorno:
- Sim. Concordo.
Ele continuou:
- Pois então, no Japão há bandeirinhas para atravessar as ruas. A última criança a atravessar leva a bandeirinha consigo para sinalizar aos condutores dos veículos de que não há mais crianças a passar. Você sabia disso?
- Não. Não sabia - respondi admirado.
- Um país com educação no trânsito tem de dar segurança aos pedestres, e principalmente às crianças - concluiu.

Noutro dia, quando fui ao trabalho, conversei com Sandra, uma colega também de origem japonesa, e contei-lhe o que Edgar tinha dito a mim. No seu ponto de vista, aquela era uma história hilariante. Uma invenção da mente de meu dentista. A imagem pessoal que eu tinha de Edgar feriu-se com aquele comentário.

Dei atenção a algumas pessoas que o julgavam de forma depreciativa apenas por sua simplicidade aparente. Pessoas que consideravam "o livro pela capa", como se costuma dizer. Procurei outros profissionais e descobri que se dividiam em especialidades, cada um enxergando apenas parte do que deveria ser feito. Tratei e retratei meus dentes com estes. Quando comparados a Edgar sempre aparentaram saber menos e os resultados dos tratamentos eram menos permanentes do que quando Edgar os conduzia.

Hoje uma obturação caiu e pensei em Edgar, após muitos anos sem vê-lo. Lembrei-me da história da bandeirinha e procurei alguns termos no Google: bandeirinha, atravessar, rua, Japão. Escrevi tudo junto, sem vírgulas e sem aspas. Encontrei já de cara: "Japão é assim: BANDEIRINHA PARA ATRAVESSAR A RUA". Fiquei surpreso com o achado. Edgar estava certo desde o início. Procuro seu telefone na lista e o encontro. Teclo os dígitos, identifico-me e ouço sua voz em resposta:
- Oi Rogério! Há quanto tempo! Eu nunca mais o vi por aqui.
- Edgar, eu gostaria de tratar um dente. Eu posso ir aí hoje?
- Mas é claro. Pode vir sim. A tarde está bem folgada.

Chego então à Vila Suíça e subo as mesmas escadas, ansioso para revê-lo e para desejar-lhe um Feliz Ano Novo, com votos sinceros de longos anos de vida e muita saúde. É sempre bom quando se reencontra um velho amigo.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Porque Escolhi o Caminho da Mão Esquerda

As pessoas possuem os mais diversos critérios para definir o que consideram magia branca e magia negra. Muitos relacionam a via sinistra (a do caminho da mão esquerda) à magia negra, enquanto associam o caminho da mão direita à magia branca. Pessoalmente eu não concordo com este tipo de associação e quero acrescentar aqui minha definição pessoal sobre o que considero ser o real divisor de águas entre estes dois caminhos (da mão esquerda e da mão direita), o qual acredito que seja a experiência com Choronzon.

Alguns o consideram um demônio, enquanto outros acreditam que seja meramente uma espécie de dinâmica (um efeito sem personalidade). Na realidade eu já comentei muito sobre minhas próprias experiências com Choronzon em posts anteriores (veja O Início de uma Experiência Assustadora com meu Inconsciente, Um Tempo com Choronzon, A Lição que se Aprende com Choronzon e Entendendo o Papel de Choronzon), mas é óbvio que ainda não esgotei o que gostaria de comentar sobre este tema, como vou demonstrar agora.

Um certo tempo após o encontro com meu Santo Anjo Guardião (veja o post Falando de Minha Própria Iniciação na Magia), eu tive uma experiência de confronto com este ser. O mais interessante nesta experiência é que eu pude ver refletido meu ego, com todas suas ilusões sedutoramente ampliadas. Ao perceber minhas ilusões, eu pude lidar com elas objetivamente pois estas haviam perdido grande parte do poder de manipular-me.

Percebi que o ego fazia-me negar infinitas possibilidades apenas para afirmar um “ideal” que não me satisfazia, que traduzia-se em crenças que me foram instiladas desde minha infância. Eu considerava-me inferior ao comparar-me com os padrões assumidos nestas crenças. Considerava-me fraco, incompleto, cheio de necessidades e com desejos questionáveis. Considerava-me um fracasso por não ser quem eu acreditava que deveria ser. O encontro com Choronzon me fez perceber a insanidade a que eu me impunha ao tentar medir-me por padrões praticamente inatingíveis.

Questionei então se era eu que de fato estava errado por causa de minhas necessidades (às quais eu tentava ignorar e jamais conseguia) ou se o erro estava em ter assumido um sistema de crenças e valores que não inventei, através de uma fé a qual eu não questionava. Foi aí que resolvi abrir-me para a amplitude que existe dentro do inconsciente. Há infinitas possibilidades ali. O que me assustou, a princípio, foi como esta diversidade mostrou-se escura, um tanto demoníaca. Afinal era assim que eu havia me acostumado a julgar esta diversidade, e é assim que o mundo também costuma julgá-la.

Nenhum ser dos que se consideram iluminados apresentou-se ali. Estes seguem regras estritas e possuem caminhos rígidos. Não estendem a mão para quem julgam não possuir o mérito de conhecê-los. Por outro lado, aqueles que se apresentavam receberam-me com cordialidade e passei a interagir com eles, principalmente nos sonhos. Foi assim que optei pela via sinistra, pelo caminho da mão esquerda, o mergulho dentro do inconsciente, e jamais me arrependi. Não encontrei ali o ódio, e sim o profundo amor pela diversidade.

Hoje em dia afirmo conscientemente que amo profundamente aquilo que muitos temem, não por vantagens que isso poderia trazer, pois estas vantagens são ilusórias. O mundo vem instilando há muito tempo o conceito de que a diversidade é malígna e que somente uma opção é benígna. Muitos acreditam nisso e, inspirados por má índole, buscam a via sinistra. São escolhas inconscientes que sempre levam à desilusão.

No meu caso, a escolha pareceu-me simples: era permanecer em um caminho cada vez mais estéril por isolar-se de tudo o mais (o que antes eu julgava ser o caminho certo), ou permitir que toda uma multiplicidade de influências viesse a mim. A opção lógica era abrir-me à diversidade. Eu desconhecia então os conceitos de caminho da mão esquerda (em que acontece a abertura ao inconsciente) e caminho da mão direita (que isola de si grande parte do inconsciente, negando-a). Para mim a escolha parecia ser óbvia. Levei algum tempo para compreender que o caminho que havia escolhido não era o mesmo trilhado por muitos outros.

Ultimamente eu tenho percebido que o caminho da mão esquerda está se tornando mais reconhecido pelas qualidades que tem, e não pelos desejos mesquinhos dos tolos. Isso é bom porque é um caminho para a vida, porque a vida é ampla e múltipla. Precisamos comungar com a vida e não subjugá-la.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

O Direito de Ser Quem Você Deseja Ser

Trago a vocês um de meus posts originalmente publicado na comunidade Repensando a Magia e o Ocultismo (clique aqui para ver o post especificamente). Apesar das propostas da comunidade e deste blog não serem as mesmas, eventualmente surgem alguns conteúdos que podem ser compartilhados entre os dois espaços.

O post tem forte relação com a história pessoal sobre meu caminho na magia, porém é conceitual. Seu objetivo (assim como de alguns outros) é ajudar a qualificar os eventos que venho narrando. Transcrevo-o abaixo: 


Encontrei recentemente um artigo sobre mapas mentais (http://parquedaciencia.blogspot.com.br/2013/10/cartografia-pessoal-os-mapas-mentais.html). É um conceito novo para mim. Não que se trate de um tema esotérico, mas é uma forma de estudar como um indivíduo se sente em relação ao seu meio. Uma maneira de investigar o subconsciente.

Penso a este respeito, visualizando o que poderia ser feito em termos de investigação no ocultismo. Poderíamos descobrir como as pessoas se sentem em ambientes específicos. Saberíamos as impressões que lhes são causadas. E então, pela soma das respostas, conheceríamos algo sobre como as consciências individuais se dinamizam coletivamente.

Pena que nem todos se permitem dizer exatamente o que pensam e sentem, o que prejudica o estudo neste sentido. Infelizmente vivemos em um mundo cheio de tabus, onde as pessoas são criticadas pelo que desejam mais intimamente. Como se não tivessem o direito de simplesmente ser quem desejam ser... O desejo é reprimido com base em valores morais questionáveis à luz de uma ética simples, a qual deveria ser o limite da liberdade inalienável de ser simplesmente quem você é.

Criam-se dogmas para que as pessoas adequem suas formas de desejar a fim de que se conformem com os mesmos. Reprimindo o que alguém quer mais intimamente, você adquire mais poder às custas deste que é reprimido. E quando o indivíduo reprime a si mesmo em favor de algo que você impõe, ele dá (de livre e espontânea vontade) o poder a você. É uma relação de abuso. E normalmente o abusado torna-se abusador, criando um ciclo vicioso.

Pior que isso, para se impor com mais eficiência, os abusadores chamam-se a si mesmos de detentores da moral (que é uma coisa absolutamente relativa, dentro de cada cultura) e da espiritualidade (que é uma profanação desta palavra).

O segredo oculto à maioria das pessoas é que a pretensa luz é, na realidade, expressão das verdadeiras trevas (trevas no sentido de que você nada pode ver além delas). Tudo o que se coloca além desta pretensa luz foi chamado de diabólico, de demoníaco.

Há apenas diferença e o respeito por esta diferença deveria ser a tônica de todos os relacionamentos, sem maior e sem menor. Rotular alguns seres como divinos e angelicais e outros como demoníacos é um profundo desrespeito à diversidade (observe que a diversidade é realmente muito, mas muito ampla).

Quantos de nós não se sentem mal por algo que se pensa e que vai de encontro aos tabus sustentados por uma maioria inconsciente? Quantos de nós deixamos de fazer algo simplesmente porque a religião não permite?

Acreditam que isso realmente vai libertá-los, que isso vai levá-los à Verdade? Se abusados tornam-se abusadores e se há muitos abusadores, quebremos o ciclo, revertendo-o. Se persistirmos, eventualmente a opressão cessa.

Alguns de meus textos parecem ser um tanto negros, um tanto demoníacos até. Eis a explicação. Não posso me conformar com atitudes inconscientes, mesmo que isso pudesse me trazer algum tipo de conforto.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Encontrando AS - Frutos que Surgiram de um Insuspeito Sonho

Há algum tempo atrás eu comecei a contar a história de uma experiência em sonho, onde eu expressei um desejo, e esse desejo acabaria realizando-se nesse nosso mundo de fatos concretos. Defini esta experiência como um exemplo do que considero ser um contato com uma esfera mais ampla de consciência (cuja ação é capaz de transformar a realidade de uma forma complexa e extremamente precisa - confira o post Uma Esfera de Consciência Mais Ampla).

No sonho (descrito em Um Experimento em Sonho e Suas Consequências) o nome de um homem (AS) havia sido revelado a mim e eu demonstrei a intenção de encontrá-lo. A partir daí, algumas transformações em minha vida profissional começaram a ocorrer. Eu havia sido convidado a participar de um projeto que implicaria em uma mudança de residência para a cidade de Londrina (conforme o post Transições - Concluindo a Interpretação do Número 3). Sem que eu tivesse ciência, eu estava sendo conduzido ao encontro desta pessoa.

O primeiro passo para que eu mudasse de residência era pedir meu aviso prévio junto à empresa em que eu trabalhava. Cumpri o mês, despedi-me de meu amigo PC e, com ajuda de uma carona de meu pai, levei os poucos bens que possuía para Londrina (cabiam no porta-mala de um carro, para se ter uma ideia do que é ser solteiro dentro de uma kitnet). Assim voltei para a empresa J, onde já havia trabalhado durante muitos anos.

Entretanto, naquele momento meu papel seria algo completamente diferente do que eu já havia realizado até então. Eu era o intéprete entre JL (um conhecido que eu havia recomendado para um projeto desafiador) e os demais membros da equipe. O fato era que o QI de 135 de JL provocava um impacto psicológico nas pessoas em geral. Dificilmente discutiam com ele. Não que eu me saísse melhor ao argumentar, mas eu nunca me importei de fazer perguntas, por mais tolas que parececem ser, até que recebesse uma resposta satisfatória. Eles se sentiam mais seguros comigo.

O tempo passou e um certo dia resolvi utilizar a hora de almoço (que na realidade eram duas horas) para resolver alguns assuntos pessoais. No retorno ao trabalho, estava voltando a pé. De repente, um carro para ao meu lado e um senhor inicia um diálogo comigo:
- Oi! Você trabalha na J, não trabalha?
- Sim. Eu trabalho lá - respondi.
- Então, estou indo naquela direção. Quer carona?

Como aquele senhor sabia que eu trabalhava na empresa J, senti-me seguro para aceitar a carona. Quando eu já estava dentro do carro, ele prosseguiu:
- Meu nome é AS.

Surpreso, lembrei-me de imediato do nome. AS, um nome aparentemente estrangeiro, o mesmo que havia sido referido no sonho (sobre o qual eu havia esquecido completamente, mas que naquele instante retornava à mente como se tivesse sido na noite anterior). Sem demonstrar o assombro que sentia, continuei a conversa:
- Meu nome é Paulo. Faz pouco tempo que comecei trabalhar na J (não comentei sobre os anos anteriores em que havia trabalhado ali).
- Eu também estou na J há pouco tempo - ele continuou. Na realidade eu fui contratado para uma consultoria (sua linguagem corporal revelava certo desapontamento enquanto concluía estas palavras).
- Percebi que você tem uma Estrela de Davi pendurada no espelho do carro - comentei.
- Não. O nome correto não é esse. Na realidade trata-se do Penta de Salomão. As pessoas normalmente denominam este símbolo de Estrela de Davi, mas é incorreto chamá-lo assim.

Conversamos por um tempo. Na realidade mais ouvi do que falei. Ele contou-me a respeito da cabala e inclusive sobre a pronúncia correta (que não é cabala como usualmente falamos, e sim cabalá). Adentramos o recinto da empresa e fomos cada um para o respectivo setor onde estávamos alocados.

AS não ficou muito tempo na empresa. Não havia porquê, afinal tratava-se de um consultor (os consultores apenas intervêm até um certo ponto para que as empresas prossigam a partir daí por si mesmas). Muitos anos depois, quando eventualmente nos encontramos, confidenciou-me que não tinha se sentido satisfeito com a receptividade da empresa J.

Muitas vezes questionei-me sobre o motivo de um sonho ter revelado seu nome a mim e sobre qual seria o sentido das transformações profissionais que surgiram logo depois da intenção que manifestei no sonho, de encontrá-lo. Pelo que sei, AS não compreendia coisa alguma de magia. Aliás, hoje em dia acredito que a magia é apenas uma das aplicações da cabala, não sendo sequer a principal. Muitos aplicam cabala em suas vidas sem considerarem usos mágicos de qualquer tipo. Mas, enfim, sou leigo demais sobre este assunto.

Houve uma época, quando eu estava fragilizado por estar vivendo minha Noite Escura da Alma, em que decidi revelar-lhe toda esta história. Acabei assustando-o. Mas eu precisava dizer-lhe o que pensava. Precisava saber se ele intuía algo a este respeito e não me dizia. Simplesmente descobri que não, que ele não intuía. Ou pelo menos, se intuiu algo a este respeito, nunca deu muita atenção a este fato.

Considerando o que foi dito, qual foi o significado disso tudo? Cheguei à conclusão de que a experiência em sonho apenas indicou-me uma possibilidade do meu destino (que eu poderia aceitar ou não, e aceitei), e que tratou-se apenas de um marco no meu caminho (um ponto de referência, por assim dizer), e não do caminho em si. Eu não deveria ater-me àquele ponto. Houve outras experiências de contato com uma esfera de consciência mais ampla que também levaram a fatos que se materializaram em minha vida (e vou contá-las no devido tempo). Entretanto esta que descrevi é uma das poucas em que eu soube precisar o momento exato em que foi plantada a semente original da intenção no sonho, a semente que se tornaria realidade.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Minha Primeira Vivência Com o Samhain

Reproduzo aqui um post de minha autoria, originalmente publicado na comunidade Repensando a Magia e o Ocultismo: 

Samhain. 31 de outubro.
Halloween, de acordo com a cultura americana.
Dia das Bruxas, aqui no Brasil.
As crianças adoram esta data. Minha filhinha, em particular, por causa do desenho animado "Monster High".

A primeira vez que considerei o Samhain com um pouco mais de interesse foi no final de 2006. Naquela época eu tinha uma tendência caoísta um pouco mais acentuada. Nâo que eu costumasse praticar o uso de sigilos (que é bem característico da magia do caos), mas atraí-me principalmente pelo conceito de KIA, que tem uma certa relação com o que rotularam como HGA (Holy Guardian Angel), sendo este contato considerado como talvez o mais importante na magia (pelo menos cronologicamente é o primeiro dos mais importantes).

Naquela época pensei em comunicar-me com esta egrégora (tal como muitos magos caoístas procuram se comunicar com a egrégora do carnaval, do Papai Noel, e etc), definindo livremente egrégora como a consciência geral formada por muitas outras consciências (e possivelmente através de diversas épocas). Foi algo bem experimental.

Eu nem sabia o que significava o Samhain. Não sabia que se tratava de uma celebração refente à chegada do inverno, onde a vida aparentemente morre na natureza, debaixo do gelo, para só então brotar de novo na primavera. É claro, tudo isso a ver com o hemisfério Norte (pois aqui no Sul há uma egrégora específica, e eu também não sabia disso).

Fiz um pequeno rito, sincero e improvisado (meus ritos são, na maioria, sinceros e improvisados - coisa de caoísta), para fazer o contato. No dia seguinte percebi propósitos vãos e inúteis na minha vida, que necessitavam ser deixados para trás. Necessitavam morrer. Aquele período de um ano que se seguiu marcou-me com uma consciência renovada.

Foi no mesmo período em que o destino decidiu levar-me à Inglaterra por alguns meses, onde tive uma iniciação que considero muito especial. Como se a egrégora tivesse me puxado mais intensamente para si. Nota: às vezes acontece de nos iniciarmos mais de uma vez, mas isso não quer dizer que podemos ignorar o que já nos iniciamos anteriormente.

Hoje em dia não me considero mais um caoísta (pelo menos não inteiramente, ou não de forma típica). Com o passar do tempo, certas crenças tornaram-se importantes para mim (em contradição ao fato de que muitos caoístas tendem a adotar crenças como meras ferramentas, descartando-as facilmente). Houve um período em que eu desconhecia muita coisa (e ainda desconheço), mas é quase irresistível crer em algo à medida que vivemos este algo.

Esse assunto não acaba aí. Mas em outra oportunidade falo mais.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Mudando o Estilo do Blog O Mestre Que Nada Sabe

Olá amigos!

Faz um tempinho que não escrevo aqui no blog, e me sinto meio desconfortável ao constatar isso, porque este é um espaço que eu realmente pretendo dar prosseguimento. Até pouco tempo, eu mesmo não entendia o porquê de eu demorar cada vez mais para voltar a escrever. Qual era o motivo deste bloqueio?

Hoje compreendi que o que está me bloqueando criativamente é a proposta inicial do blog O Mestre Que Nada Sabe. O que ocorre é que a forma que expus o conteúdo sempre foi ordenada dentro de uma sequência rígida, aprofundando-me em cada tema em que me propus a escrever, contando a minha história na magia (agora praticamente em tempo real), e com conteúdo por vir quase a perder de vista.

Ou seja, o blog está excessivamente formal. Tão formal que nem eu mesmo estou com forças para sustentar tamanho formalismo. Vejamos o panorama do conteúdo que estou lhes passando até o momento:

1. Estou abordando um sistema numerológico de 18 símbolos (que tem uma relação com meu próprio caminho na magia), e estou exatamente no número 4 (eu o introduzi no post Buscando Objetivos e Superando Obstáculos - Introduzindo o Número 4).
2. Estou lhes devendo a conclusão de uma história pessoal, onde conheci um senhor chamado A.S. (cujo nome vou ocultar). Esta experiência começou com um sonho que, por sua vez, foi o meio de uma operação mágica (confira o post Um Experimento em um Sonho e Suas Consequências).
3. Estou abordando também temas relacionados à Goécia (verifique o post Goécia: Refletindo Sobre o que Marginalizamos no Inconsciente).

Pensei muito a respeito de como o blog está se desenvolvendo e concluí que quero conferir um novo estilo ao mesmo, mais livre, com tópicos talvez menores, e envolvendo muitas vezes mais de um assunto no mesmo tópico. Quero que o blog tenha uma linguagem mais informal. Quero que seja um canal de comunicação entre você e eu, e que esse canal possa ser leve e divertido. Em outras palavras, a forma que eu me comunico com você por aqui vai mudar, e acredito que para melhor.

Mas, e quanto aos conteúdos que já iniciei? Vou continuá-los? Pretendo que sim. Só que vou passá-los de uma forma menos estruturada e mais natural.

Um abraço a todos vocês!

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

A Lenda do Bem e do Mal

Era uma vez um reino em que havia dois príncipes irmãos. O rei, pai destes, desde o começo de suas infâncias, sempre os levava junto a si para que conhecessem outras terras. Após tornarem-se adultos, ambos costumavam lembrar-se destes momentos de proximidade com carinho. Porém apenas um destes príncipes era destinado a suceder o rei, enquanto o outro, mais jovem, embora gozasse da generosidade do irmão, sabia que haveria um momento em que precisaria curvar-se a ele, submetendo-se, e isso o consumia interiormente. Mesmo amando o irmão, não conseguia aceitar que um dia este seria maior que ele.

Aconteceu do pai vir a falecer e nova coroação se sucedeu, de forma que o irmão mais velho passou a ocupar o palácio que antes fora de seu pai. Além disso, o novo rei havia contraído matrimônio, sendo sua esposa bela e virtuosa. Já nos anos iniciais de seu reinado nasceram três filhos e o reino prosseguia cada vez mais próspero.

O irmão invejoso, embora contasse com um importante título de nobreza e continuasse tendo livre acesso à corte, consumia-se ainda mais em sua inveja, até que esta igualou e superou o amor que tinha pelo novo rei, seu irmão. Não tinha descendentes, nem tampouco tinha contraído matrimônio. Toda a alegria que o rei percebia tornava ainda mais negra a sombra que existia em seu coração, ocultando cada vez mais a luz dentro de si, até que esta se tornou imperceptível. Há muito tempo dominava a arte da magia negra à qual se dedicava em segredo, impulsionado pelos sentimentos malévolos que não conseguia conter dentro de si. A princípio, quando começou a enveredar-se por esta arte, julgava ser por mera curiosidade, mas então começou a vislumbrar possibilidades práticas em que poderia utilizá-la contra seu próprio irmão.

Elaborou então, cuidadosamente, os detalhes do ritual que utilizaria. Não lhe foi difícil ter acesso aos objetos pessoais do rei para que pudesse criar um feitiço, pois contava com sua confiança. O essencial para que a maldição fosse completa seria que, no momento que estivesse rogada, o fosse com o desejo mais negro. Assim escondido, durante a noite, deu início à sua vingança, amaldiçoando o irmão.

No entanto, durante o ato negro, a pequena luz que existia ainda dentro de seu coração fez-se revelar, mesmo que tênue. Pensou: “Tudo que meu irmão criou é tão belo. Quero possuir esta beleza.”, e depois envergonhou-se, acrescentando: “Que jamais eu, ou qualquer outra pessoa, possa destruir a beleza que meu irmão criou”. As trevas voltaram então a seus pensamentos. O resultado do ato praticado não seria imediato. De fato, um ano inteiro deveria se passar para que seu intento começasse a se realizar.

Passado um ano, o rei estava então ocupado ensinando seus filhos a plantar novas sementes dentro de uma estufa recém construída. Estava entretido e feliz. O dia inteiro havia se concentrado em assuntos que sua posição exigia e o único tempo que havia encontrado para dedicar-se aos filhos foi durante a noite. Mas não se importava. Este tipo de atenção não lhe cansava. Foi quando o teto da estufa desabou, de forma que o rei ficou preso entre os escombros. Não estava ferido e seus filhos estavam a salvo, mas sentia a massa ainda úmida da construção em contato com seu rosto, com seu tronco e com seus braços. Três dias foram necessários para tirá-lo dali. Enfim solto, percebeu a massa irremediavelmente presa à própria pele. Não havia como removê-la sem retirar a pele. Sua aparência seria, desde então, monstruosa.

O irmão mais novo regozijava-se com o infortúnio do rei, pois sabia o que se seguiria. Com o passar do tempo a rainha, mesmo sendo virtuosa, não conseguia mais olhar para seu próprio marido. O mesmo aconteceu com os filhos. O rei, em desespero, abandonou seu reinado e passou a andar pelas ruas disfarçado como mendigo. Como havia desaparecido, o irmão o substituiu no castelo, seduzindo a rainha e ganhando até mesmo a confiança dos novos príncipes.

Enquanto isso a luz no coração do rei diminuia devido à amargura que sentia dentro de si, ao ver seu irmão ao lado da rainha e de seus filhos. O ódio começou a consumi-lo. Mas o feitiço do irmão invejoso não havia sido perfeito: “Que jamais eu, ou qualquer outra pessoa, possa destruir a beleza que meu irmão criou.”. Ora, esta beleza começava exatamente no coração do rei. Tudo o que havia criado era fruto de seus sentimentos, os quais foram nutridos carinhosamente. Naquele momento seu coração estava se tornando negro.

Era noite e a estufa que havia desabado continuava inalterada. As sementes que haviam sido plantadas estavam germinando e crescendo, revelando-se além do solo. A pouca água que havia disponível tinha sido o suficiente para conceder-lhes vida. Naquele mesmo momento a massa presa à pele do rei começou a desprender-se e uma nova esperança preencheu seu coração. Voltou ao castelo, mesmo em andrajos. Ainda assim, todos o reconheceram. A rainha, arrependida, acolheu-o em prantos, da mesma forma que seus filhos. O rei perdoou verdadeiramente a toda sua família.

O irmão invejoso, envergonhado, fugiu. Somente isto era motivo de tristeza ao rei. Porém, consumido pela culpa, o irmão retornou e confessou o mal que havia causado. O rei, percebendo a dor no coração do irmão, perdoou-o, também verdadeiramente. O perdão foi tão pleno que o mal praticado foi totalmente esquecido.

Esta é a lenda do bem e do mal. Infelizmente como o mal foi esquecido, este sempre retorna de tempos em tempos, mas a luz do bem jamais é extinta por completo.

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Fica aqui uma reflexão. O bem e o mal existem no coração de todos os seres. Não existem seres do bem, nem seres do mal. Existe apenas uma dinâmica que sempre se repete.

domingo, 8 de setembro de 2013

O Que Está Dentro é Como o Que Está Fora

Estou retornando de minha pausa em relação ao blog (reconheço, bem antes do que havia imaginado). Por mais que haja objetivos pessoais concorrentes com os quais preciso lidar, não consigo ficar tanto tempo sem escrever (velhos hábitos nunca mudam). A verdade é que já comecei a aprender alguns macetes para administrar melhor meu tempo, sendo que um deles (mas não o único) é tornar a frequência com que escrevo um pouco mais flexível e mais espaçada (foi o que acabei fazendo para compor este post, aproveitando um esboço que já havia começado e desenvolvendo-o quando tive tempo disponível). Assim, ao invés de escrever semanalmente, eu vou fazê-lo mais ou menos mensalmente (precisarei controlar meu impulso de sempre querer rever e acrescentar algo quase que de imediato). Desculpem-me por meu post anterior (Uma Pausa) ter sido tão dramático. Afinal, como ser humano, às vezes eu também faço algumas “tempestades em copo d’água” (e armo alguns barracos também, em situações mais práticas, às vezes). 

Como resultado colateral desta mudança de ritmo, vou levar muito mais tempo lhes contando minha história pessoal no caminho da magia. Mas, na realidade, não tenho pressa e sempre considerei mais interessante apreciar o caminho do que simplesmente chegar aos objetivos pretendidos. As histórias vêm daí, dos caminhos. 

Volto então ao tema da goécia (que iniciei no post Goécia: Refletindo Sobre o que Marginalizamos no Inconsciente). Vamos lá… Certa noite sonhei com uma demônia. Demônia, mas não que tivesse algum defeito na aparência ou que inspirasse algo de desagradável. Na verdade era atraente e invulgar. O conhecimento de que se tratava de uma demônia estava implícito, já em minha mente, sem que tivesse sido comunicado claramente no sonho.

Ela fez uma proposta a mim. Demônios sempre fazem propostas. Normalmente nós temos aquele velho chavão “pacto com o demônio”, e talvez haja algo de verdadeiro nisto, porém normalmente trata-se de exagero. O que eles propõem é usualmente um trato, pura e simplesmente, e quase sempre sem aquela conotação de coisa eterna, para sempre.

No caso, ela propunha me ajudar a entender as pessoas. Ela disse que poderia revelar-me o que realmente motiva os seres humanos, por detrás da aparência das palavras, e por detrás até mesmo da fachada do que alguns acreditam ser suas verdadeiras razões. Segundo ela, assim eu poderia agir com segurança diante do que surgisse diante de mim no dia-a-dia. Não me propunha coisa alguma em troca. Enfim completou: “Então, o que acha dessa ideia?”. Eu não respondi nem com um “Sim”, nem com um “Não” e o sonho terminou assim, com um desfecho em branco.

O leitor pode considerar com uma certa estranheza esta narração que aqui estou expondo. A ideia de perceber o que as pessoas escondem (até mesmo de si mesmas), tendo acesso a algum tipo de informação (sobre a qual não se supõe que deveríamos ter) causa, em geral, uma certa repulsa. Afinal não gostaríamos que fizessem isso conosco. Não gostaríamos que as pessoas soubessem (com um alto grau de certeza) do que realmente pensamos a respeito delas, do mundo, de nossas estratégias. Acreditamos que devemos ocultar-nos, seja para sermos melhor aceitos, seja para nos protegermos. A proposta da demônia, portanto, fere este instinto de ocultação.

No entanto, nos aprofundemos nesta proposta. Consideremos que há duas formas de se conhecer as motivações das pessoas (sem que perguntemos diretamente a elas). A primeira é olhando para dentro de nós mesmos e verificando como reagimos às pessoas, porque sabemos que os efeitos que sentimos interiormente podem corresponder a causas exteriores. Como se o exterior tivesse (e tem) ramificações dentro de nós. É a noção de que somos interligados e que, justamente por isso, não existem segredos de fato.

A segunda forma é pela via inversa. Explico: se somos interligados uns aos outros, toda nossa expressão é transmitida (para outros) e recebida (por outros), em virtude de nos comunicarmos. Dessa maneira temos raízes nas demais mentes (ramificações de nós mesmos em tudo o que nos é receptivo). Por este motivo (e em certa medida) o universo corresponde ao que esperamos dele (equivale a saber como o universo se sente tendo como base como nós mesmos nos sentimos). Entretanto, em tal situação, as demais pessoas nem sempre estão conscientes de nossa influência específica em suas vidas (quando desejamos algo em relação às mesmas). Frequentemente, se esta influência é percebida (e não corresponda a padrões de pensamento e comportamento que o indivíduo considere aceitáveis, ou seja: conforme seus egos), o pensamento é rejeitado, e muitas vezes reconhecido como que de origem externa. Ocorrendo esta rejeição, quem provocou o estímulo é considerado como o tentador (voltando à alusão aos demônios), não importando o quão agradáveis possam ter sido os efeitos enquanto eram meramente inconscientes. Daí se deduz que, neste tipo de situação, uma transformação que permanece fora do limiar da consciência pode ser mais eficaz do que alguma que se evidencie conscientemente.

Tudo se resume no contraste entre consciência e inconsciência. Eu, pessoalmente, sou parte do seu inconsciente (de você, leitor), assim como quase tudo o mais o é. Da mesma forma você é parte do meu inconsciente (assim como quase tudo o mais o é). O que nos impede de vermos isto claramente são nossos egos, os quais tendem a rejeitar tudo que lhes foge à compreensão. Na verdade, o que denominamos demônios é pura e simplesmente aquilo que não se encaixa em nossos estereótipos, incluindo aí nossas noções de moral, do bem e da religião (pois são conceitos que têm relação entre si). A moral deriva do que acreditamos ser o bem, da mesma forma que a religião tem a mesma derivação. Quanto à percepção que cada um tem a respeito da divindade, esta tende a alinhar-se da mesma forma.

O que em geral não se percebe é que a noção comum de bem e mal é baseada na distinção entre os seres (entre uma pessoa e outra, ou entre Deus e o Diabo em um escopo mais amplo), e não na comunhão entre tudo o que há (onde a divindade metamorfoseia-se em tudo, não existindo nada que não seja divino - veja o post Quando tudo é Divino: um Universo sem criador e sem criatura). Estas são percepções opostas e que acabam por provocar uma distorção na consciência do que é o bem (e o mal por extensão). Acabam também por distorcer nossos conceitos morais e, enfim, distorcem a noção da própria natureza da divindade. É precisamente esta distorção que leva à violência explícita (onde um fere o outro, ao invés de unir-se ao outro), da mesma forma que leva aos preconceitos raciais, ao machismo (e também a algumas formas negativas de feminismo, pois nem todas são negativas) e a diversas outras expressões de preconceito. Percebemos, assim, como “demoníaco” o que desafia nossa persistência no isolamento.

Afinal, porque nos parece tão perigoso quando alguém é capaz de perceber realmente o que pensamos ou o que pretendemos realizar? Certamente é porque vemos uns aos outros como que isolados, como em eterno conflito, competindo mutuamente. Desejamos muitas vezes sermos sinceros, mas não ousamos sê-lo.

Embora o contato com os demônios suscite em nós reações egóicas, certamente este não é o propósito destes seres. O objetivo real é que reconheçamos o que nos atrai, ao invés de o negarmos. Nossas necessidades não cessarão se jogarmos para debaixo do tapete o que não conseguimos aceitar em nós mesmos. Pelo contrário, apenas se tornarão mais intensas e falharemos, e nos confessaremos (nas religiões onde a prática se aplica), e falharemos de novo, e permaneceremos em um eterno ciclo onde nada essencialmente se transforma.