sábado, 6 de setembro de 2014

Quando Uma Experiência Coletiva Não é Real

No post anterior (Quando a Experiência Física Não é Tão Física), introduzi a ideia de que nem sempre as coisas são o que aparentam ser. Há situações em que o que parece ser fantástico pode ser explicado de forma mais simples e menos misteriosa.

Surpreendi-me com algumas reações àquele post. Algumas pessoas queriam confirmar se eu realmente não acreditava naquilo em que elas fundamentavam suas crenças, e eu precisei explicar que é preciso dar atenção a todo tipo de evidência, seja a de que algo existe como a de que algo não existe. Sem esta ressalva, estamos apenas nos deixando manipular, ou pior: estamos iludindo a nós mesmos.

Comecei essa abordagem explorando um tipo de ilusão individual, porém há evidências de que as pessoas se permitem iludir também coletivamente. É sob esta perspectiva que pretendo enveredar-me agora, mais precisamente no tema da ufologia, através de um dos relatos mais conhecidos no Brasil: a Operação Prato (confira na reportagem da revista Isto É).

A Operação Prato diz respeito a fatos que ocorreram há 35 anos atrás, documentados em milhares de páginas, inicialmente confidenciais mas já disponíveis para apreciação pública. Segundo esta documentação, foram também realizadas fotografias e filmagens (embora não tenham sido disponibilizadas). O propósito da investigação era verificar denúncias do chupachupa (faz lembrar o chupa-cabra, com relatos iniciados em 1995, não faz?), mas acabou levando a avistamentos de OVNIs por centenas pessoas, entre militares e civis. Uma multidão afirmou que foi atingida por luzes que, entre outros efeitos, feriam-lhes, levando-lhes o sangue e causando-lhes queimaduras.

Curiosamente, por mais extensos e traumáticos que tenham sido os ferimentos, gradualmente todas suas evidências desapareceram. Não sobrou um traço sequer das feridas e queimaduras (esta é uma informação obtida pelos depoimentos, e não pela documentação em posse do governo brasileiro). Supõe-se, por aqueles que viveram a experiência, que a natureza alienígena dos traumas seja a explicação para este fato. Afinal, os alienígenas são tão evoluídos que tudo podem, inclusive reverter danos por eles mesmos causados, mesmo que não saibamos como e nem porquê.

Proponho considerar a possibilidade desta não ter sido uma experiência física real, e sim uma experiência mental. A questão é: pode uma percepção coletiva ser ilusória? As consciências de indivíduos são capazes de se conectar de tal modo a ponto de criar alucinações comuns e consistentes por um longo período de tempo?

De acordo com a documentação do exército brasileiro, foram produzidos filmes e gravações que comprovam os eventos reportados. Sem dúvida os soldados que participaram da operação realmente acreditavam ter produzido tais evidências. No entanto, o que será que as gravações realmente continham? Seria a prova incontestável de que os alienígenas estão entre nós? Ou seria a perturbadora constatação de que nada do que estava reportado por escrito podia ser verificado?

Carl Sagan (1934-1996), ao citar Fred H. Frankel, especulou a respeito de abduções alienígenas (tema que pode ser adaptado para a situação específica da Operação Prato):

"Se os raptos por alienígenas fazem parte de um quadro mais amplo, qual é na realidade esse quadro mais amplo? Receio me precipitar em terreno que os anjos têm medo de pisar; mas todos os fatores que você delineia preenchem o que foi descrito na virada do século como histeria. O termo, lamentavelmente, passou a ser usado de forma tão ilimitada que nossos contemporâneos, em sua duvidosa sabedoria [...] não só o abandonaram, como perderam de vista os fenômenos que ele representava: altos níveis de sugestionabilidade, capacidade imaginativa, sensibilidade a dicas e expectativas, e o elemento de contágio [...]. Um grande número de clínicos praticantes parece reconhecer muito pouco de tudo isso."
O Mundo Assombrado pelos Demônios, página 145, Editora Companhia de Bolso

Ponderando não somente pelos conceitos das ciências exatas, mas também por um leque mais amplo de possibilidades dentro do ocultismo, podemos encontrar outras respostas. Sabemos, por exemplo, que há uma realidade arquetípica da qual sentimos efeitos indiretos, tal como a alegoria da Caverna de Platão onde as verdadeiras causas da realidade não nos são visíveis, pois metaforicamente apenas percebemos sombras projetadas à parede, ignorando os objetos relacionados às mesmas. Outra explicação possível seria que as interações com alienígenas teriam ocorrido no astral ao invés do plano físico.

Estas interpretações (e muitas outras, se as procurarmos) são sutis, para as quais o exército brasileiro certamente não está preparado para lidar. Afinal é uma instituição que se sustenta no pressuposto de forças armadas que lidam com situações objetivas e concretas, e não com um plano mais sutil da realidade. É possível, aliás, que este seja um dos motivos dos governos serem tão relutantes ao lidarem com o tema dos objetos voadores não identificados.

Há muitos temas relacionados à ufologia que podem estar ligados às alucinações individuais e coletivas (definindo-se aqui alucinação não como algo patológico, mas como a percepção ilusoriamente física de algo que não é físico). Algumas pessoas afirmam possuir implantes e há quem realmente tenha tentado removê-los cirurgicamente, constatando que estes desapareceram então de forma misteriosa. Justifica-se normalmente este desaparecimento como uma característica da tecnologia extraterrestre que ainda não conseguimos explicar.

Mencionando ainda Carl Sagan (de memória, na obra O Mundo Assombrado Pelos Demônios), o fato é que nunca alguém arrancou um dente de um alienígena, ou pedaço de unha, escama ou o que quer que fosse que tivesse em si DNA não-terrestre ou qualquer outra prova inconfundível (e incontestável) de que os alienígenas estão entre nós. Ele questiona o fato de nenhum país ter apresentado provas neste sentido. Será que há um acordo comum entre todas as nações da Terra? Com tantas divisões políticas e guerras por motivos diversos (por exemplo, religiosos), será possível que um acordo de proporções tão amplas poderia ser estabelecido?

Cabe ainda uma reflexão: se somos seduzidos tão facilmente pelo que nos aparenta ser fantástico, será que há um sedutor? Será que nos desviamos da busca racional de respostas apenas por acaso, ou pode existir uma consciência e intenção que nos mantém assim? Os fenômenos que abordei aqui são de uma escala muito ampla, talvez ampla demais para ser mera coincidência. É possível que sejam orquestrados por uma esfera de consciência maior que a nossa? Podemos estar sob controle? Se for o caso, porque?

Se for verdade, talvez este seja um bom sinal. Quem nos privaria enfática e insistentemente de expandir os limites de nossas consciências? Que guardião nos impediria utilizando nossas próprias ilusões contra nós mesmos? Isso me faz lembrar da natureza de Choronzon (confira meus posts a este respeito). Choronzon se faz manifestar quando o indivíduo tenta atravessar os limites de seu próprio ego, para que não profane o que está além de si mesmo. A "arma" de Choronzon é revelar exatamente o que se deseja ver, até que a pessoa perceba suas próprias ilusões e as transcenda. Talvez estejamos vivendo este fenômeno em escala global e precisemos enfrentar nossas ilusões primeiramente, antes de darmos o passo definitivo. Talvez este momento seja breve, ou talvez ainda leve séculos ou milênios...

Então, o que quero dizer com tudo isso? Não existem alienígenas? Eu jamais afirmaria isso. Afinal a Terra é apenas um planeta dentro de uma infinidade de galáxias. Não sabemos ainda como dobrar o espaço-tempo e viajar mais rápido do que a luz, porém alguma espécie alienígena pode ter descoberto como fazê-lo, se for possível. Porque não? O que não temos são evidências definitivas de que tenham chegado fisicamente até aqui, em nosso planeta.

domingo, 27 de julho de 2014

Quando a Experiência Física Não é Tão Física

Quem nunca ouviu falar a respeito de uma história real em que alguma coisa acontece que não se pode explicar pelas leis da física? Tal como um objeto que flutua sozinho, ou um ruído que vem detrás da porta do armário que, quando aberto, está com todo seu interior bagunçado, embora ninguém estivesse próximo ao mesmo. O mais intrigante é que, com frequência, após se deixar a cena original e se retornar depois, tudo volta ao normal, como se nada tivesse acontecido.

Este retorno à normalidade costuma ser desconcertante. Afinal, a visão percebida anteriormente é geralmente tão nítida e quando se toca os objetos, eles são tão concretos. Tão físicos. Sente-se a pressão nos dedos. Sente-se o peso, a textura e a umidade. Junto com esta experiência vem a sensação de certeza de se estar vivendo o paranormal. No entanto, porque tudo retorna à situação que estava antes?

Certa vez, ao acordar de manhã cedo, vi diante de mim a silhueta de um corpo absolutamente negro, tal como uma sombra, só que sem transparência nenhuma. Embora já houvesse claridade, eu não conseguia distinguir traço algum. Até mesmo os olhos eram totalmente negros. Eu sentia sua pressão contra meu próprio corpo. Estava me beijando.

Minha primeira reação foi de espanto. Depois senti medo. No entanto, decidi não reagir. Curioso, quis ver o que aconteceria, afinal não é sempre que se tem uma experiência desse tipo. Meu olhar se movia teimosamente, procurando detalhes de quem (ou do que) estava à minha frente. Minha mão estava levantada, firme, porém sem propósito.

De repente a aparição sumiu. Minha mão estava relaxada. No entanto, eu não a havia repousado. Não houve transição. Em certo momento ela estava levantada e tensa. Instantaneamente depois, estava repousada. Meu corpo, que antes também estava tenso, de repente e sem transição, estava relaxado. Como se tivesse acordado naquele mesmo momento. Ainda assim, eu sabia que já estava desperto há mais tempo. A luminosidade e o ambiente não haviam mudado. Apenas aquela estranha visitante havia desaparecido, bem como não havia vestígio algum de minhas próprias reações físicas.

Foi por causa deste evento que percebi quão ilusória pode ser uma experiência cuja vivência aparenta ser tão física, porém não o é. Refletindo sobre aqueles instantes, percebi que estava vivendo um estado de transição em que existiam sensações reais (a luminosidade do ambiente, a posição de alguns objetos, etc) mas, ao mesmo tempo, algo não físico estava projetado ali (apesar de parecer, a mim, tão sólido). Assim, acabei aprendendo sobre a natureza deste tipo de fenômeno: um estado intermediário de consciência com uma mescla de estímulos físicos e não-físicos, embora com uma percepção de sensações concretas muito acentuada.

No entanto, o que se projetou diante de mim temporariamente? Uma imagem de meu subconsciente? Ou seria do inconsciente (algo externo a mim)? Não sei dizer. São questões para as quais é difícil se obter respostas.

Um amigo meu vive este tipo de situação pelo menos uma vez por mês. Há um nome científico para esta forma de despertar porém, me desculpem, eu não me recordo. O fato é que para ele sempre é desagradável quando ocorre. Ele se assusta e às vezes pula sobressaltado da cama, apenas para perceber, instantes depois, que tratava-se de uma ilusão. Realmente meu amigo não dorme bem, por este e por outros motivos.

Só que isso me faz pensar em outras situações em que ocorrem acontecimentos incríveis na vida das pessoas, cujos traços desaparecem misteriosamente quando se vai tentar comprová-los. Então criam-se hipóteses rebuscadas, por sua vez também difíceis de obter comprovação. As pessoas tendem a acreditar no que aparenta ser fantástico. Deixam-se seduzir.

É difícil opor-se a essa sedução. Quem não prefere acreditar ter vivido algo realmente especial e construir crenças em torno disso, unindo-se a outras pessoas que se deixam seduzir da mesma forma? Como dizer aos outros que os fundamentos de suas atitudes podem estar equivocados? Quem facilmente aceita a possibilidade de ter investido todo o tempo de uma vida (ou de um longo período da vida) em algo que não é verdade? É uma questão de sobrevivência. A negação é, em larga medida, normal. De repente, algo significa tudo e então se torna nada.

Não que o fantástico não exista. Não é isso. Se eu não acreditasse em algo além da percepção mundana, eu não estaria aqui, escrevendo sobre minha história na magia. Sim, o extraordinário existe e pode-se vivê-lo de forma concreta. No entanto, nossas ilusões nos impedem de percebê-lo. É preciso que saibamos reconhecer nossa própria tendência a nos deixar impressionar e assim consigamos avaliar de forma realmente objetiva cada fato e cada informação.

Por exemplo, um dos critérios para esta avaliação é que haja evidências que não tenham desaparecido (para as quais não tenham sido criadas explicações não verificáveis). Se as evidências forem questionáveis, deve-se questioná-las e buscar as respostas, não importa o tempo que seja necessário para isso. É preciso ser sincero consigo mesmo nessa busca.

Coloquei, como ponto de partida, um tipo de experiência que pode ocorrer ao se despertar. Contudo, há outras explicações e considerações também relacionadas a ilusões que podem parecer muito reais. Em breve, em alguns posts que se seguirão, eu pretendo abordar um pouco mais esta questão.

sábado, 14 de junho de 2014

Paz e Bem-Estar - A Numerologia do Número 5

Após diversos meses falando a respeito de minhas experiências na goécia, chegou a hora de dar prosseguimento à minha história na magia. Como eu havia lhes dito há algum tempo, esta história tem um ritmo (o qual é muito nítido principalmente nos primeiros anos), e este ritmo corresponde a um sistema numerológico de 18 símbolos (ou seja, 18 números).

Nestes últimos meses eu vim comentando sobre o número 4 (confira o post Buscando Objetivos e Superando Obstáculos - Introduzindo o Número 4) , que diz respeito a concentrar o esforço para criar algo novo. Este período "coincidiu" com as experiências na goécia (que comentei acima), nas quais eu fui impelido a criar laços com o inconsciente (que se sedimentaram conforme passaram os anos). Na rotina do dia-a-dia, o número 4 também se fez mostrar, uma vez que eu estava empenhado em um novo projeto profissional. No entanto, passou-se o efeito do número 4. Cessou-se este estímulo de busca, e iniciou-se a expressão do número 5, o que me pegou um tanto de surpresa. Mas porquê surpresa?

É que naquela época eu apenas estava começando a viver a essência destes números (suas influências eram algo que ainda não havia se tornado consciente para mim). Eu me surpreendia com suas transições. Por outro lado, a transição do número 4 para o número 5 foi o mesmo que sair do movimento constante para entrar em uma condição de pausa. Estranho quando se está empenhado em algo, focalizado dia após dia e, de repente, esse empenho todo cessa. A desaceleração é algo perceptível.

Pois foi o que ocorreu, as experiências em sonhos praticamente cessaram (pelo menos reduziram muito), e o novo projeto profissional (no qual eu estava envolvido) foi cancelado. Meu amigo JL (que era a peça principal no projeto que desenvolvíamos) estava insatisfeito com o engajamento da empresa J. Na verdade seus padrões de excelência eram exageradamente altos (um dos motivos dele se comunicar melhor com máquinas do que com pessoas - as máquinas não retrucam). Já a empresa J, não tinha interesse em realizar as mudanças necessárias para se adaptar aos padrões de JL. Eles se separaram e o projeto se desfez. É certo que tudo valeu para o aprendizado (sempre é bom quando um projeto dá certo mas, quando isso não acontece, pelo menos a experiência deve ter valido a pena). Por mais que todo aquele esforço profissional tenha sido realizado, não perdurou no esquema mais amplo das coisas.

No entanto, mesmo sem aquele projeto, eu tinha meu emprego (o qual eu havia conseguido justamente por causa do projeto), estava residindo em Londrina (na mesma cidade que C, que era então minha namorada), com um rendimento digno e sentia-me bem. Foi quando C e eu decidimos ficar noivos.

Eram efeitos do número 5 se manifestando. Porém, quais são exatamente os efeitos deste número? O número 5 traz consigo uma sensação de bem-estar. Após um período de busca, ele representa uma etapa de colheita. Não há grandes dificuldades a serem vencidas, nem tampouco grandes vitórias a serem alcançadas, mas há paz, e isso é muito bom. Quando alguém nasce em uma data ressonante a este número, acaba também por ter essa essência dentro de si. Isso significa ser uma pessoa que valoriza os momentos de paz (e de bem estar) e que não procura o sentido da vida nos grandes desafios, nem tampouco nas grandes vitórias. É o tipo de pessoa que parece a muitos como que sem propósito e sem ação, mas na realidade não é disso que se trata. No fundo, é alguém que vive o presente e sabe admirar o que tem consigo.

Nos próximos posts comentarei um pouco sobre algumas experiências interessantes que vivi sob a influência do número 5 e que desejo compartilhá-las.

Para ver outros posts a respeito de numerologia, clique neste link.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Sonhos Repetidos

Na magia, o caminho a seguir não é sempre homogêneo e linear. Às vezes mergulha-se fundo no inconsciente por um longo tempo (e isso é muito importante para se estruturar psiquicamente); às vezes vivencia-se a realidade prática do dia-a-dia (que é o fruto externo do que se planta interiormente); e às vezes passa-se por um período de deterioração (de deixar para trás o que não tem mais a ver consigo mesmo). Usualmente são longos períodos, os quais só reconhecemos com o passar dos anos (pois são cíclicos e, por isso mesmo, podem ser reconhecidos ao se tornarem recorrentes). Há quem afirme que existe um início e um fim no caminho do mago, mas estou desconfiado de que ele nunca acaba. Talvez seja apenas o caso do "mapa" estar incompleto.

Recentemente eu demonstrei, através de meus posts,  um pouco do que é mergulhar no inconsciente e amadurecer as relações internas. Acredito que agora já é hora de dar uma pausa e continuar abordando outros temas também relacionados à minha própria história no ocultismo. No entanto, para quem aprecia os sonhos que narrei, não se preocupem. Haverão mais sonhos a serem descritos, em momentos propícios. Hoje, para encerrar (por enquanto) este assunto dos sonhos, vou falar sobre um tipo de sonho especial: o sonho repetido. Quem nunca teve um sonho repetido? Não vale dizer "Não" se você não lembra dos sonhos que tem. Porque será que, de vez em quando, nossa mente repete experiências inteiras?

O motivo é que os sonhos deste tipo representam questões a respeito de aspectos que ainda não conseguimos equilibrar, harmonizar, ou dar uma resposta satisfatória em nossas vidas. Por exemplo, quando eu era pequeno meus pais haviam me dado um robô de brinquedo de presente. Ele tinha um funcionamento simples: buzinava muito e mudava sua direção quando eu acionava o controle remoto (do mesmo jeito que os carrinhos de brinquedo fazem). Ele também tinha uns braços estilizados (que não se moviam sozinhos) e luzes vermelhas que piscavam. Tudo isso junto em um brinquedo me impressionava.

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Robô Arthur, da Estrela

Por um tempo eu considerei aquele robozinho mais importante até mesmo que as pessoas ao meu redor. Eu queria protegê-lo, guardá-lo para mim, não deixar outros brincarem. Ainda que isso ferisse os sentimentos alheios. Então, certo dia percebi claramente o que tinha: pequenos truques. Nada dele era tão misterioso e fantástico, e eu percebi isso. Percebi também que havia deixado as pessoas de lado. Naquele mesmo dia sonhei que todos em minha família haviam sido transformados em robôs e que não possuíam mais sentimentos. O sonho demonstrava minha inversão de valores.

Este sonho se repetiu na época da minha adolescência. Foi quando ganhei meu primeiro computador. Na realidade, nada sofisticado quando comparado aos computadores atuais, mas foi com ele que comecei a aprender a criar software. Eu visualizei alí possibilidades praticamente infinitas que dependiam apenas do que eu pudesse elaborar. Todo dia eu me confinava no quarto, como se aquele fosse meu tesouro (“meu precioso”, numa analogia à trilogia Senhor dos Anéis). Não levou muito tempo para que eu percebesse que faltava consciência naquela máquina (pois o computador não era um ser pensante, da mesma forma que faltava consciência no robô de brinquedo que tive quando criança). Naquela noite tive o mesmo sonho, apontando a mim uma inversão de valores semelhante à vez anterior. Então entendi seu significado e o sonho nunca mais retornou (como se a mensagem enfim tivesse sido entregue).

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TK85 - Um clone do ZX-81 da Sinclair
Eu tinha apenas o computador (á esquerda). Eu não possuía o joystick (á direita).

Apenas para “fechar”, existe também outro tipo de sonhos que se repetem, só que variando em alguns aspectos (ou seja: não são exatamente iguais). Esta variação indica que algo se transformou e, possivelmente, continua se transformando. Pode ser uma metamorfose naquele que sonha (revelando uma mudança de consciência), ou então uma transformação na situação em que se está inserido (revelando uma mudança de contexto). Nesse caso, o sonho demonstra uma dinâmica que pode ser tanto interna quanto relacionada a eventos externos (em ambos os casos, usualmente acontecendo de forma sutil, por se dar ao longo do tempo).

Fica então uma questão para você, meu leitor: você já teve (ou tem) um sonho repetido? Sobre o significado desse sonho, você já o compreendeu?

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Olhando para Dentro de Si

Certa vez eu sonhei que estava em uma espécie de universidade. Ali cada um dos alunos (inclusive eu) tinha um apartamento para si e existiam imensos corredores mal iluminados, com a atmosfera característica dos prédios antigos. Já os apartamentos, estes tinham boa iluminação interna, transmitindo uma impressão mais jovial.

Os alunos se cumprimentavam dentro desses corredores quando estavam saindo ou chegando. Nesses momentos, breves conversas aconteciam. Por acaso eu e um colega estávamos chegando ao mesmo tempo e, enquanto tirávamos as chaves do bolso, eu o cumprimentei:
- Olá! Tudo bem?
- Olá, tudo - ele respondeu.

Prosseguiu:
- Você é novo por aqui?
- Sim, cheguei há pouco tempo.
- Pois então, há algumas vantagens de ficar por aqui. É muito confortável e você é bem assistido. Praticamente não há porquê se preocupar a respeito de suas necessidades básicas.
- Isso é realmente muito bom - assenti.
- O único detalhe é que você precisa estudar, e isso pode ser um tanto difícil para alguns alunos.
- Mesmo? Porque?
- Digamos que nem todos tem sangue frio para os conteúdos ensinados aqui. São um tanto demoníacos.

Fiquei em silêncio por alguns segundos e indaguei:
- Demoníacos?
- Sim, demoníacos. Mas agora preciso entrar. Depois conversamos mais.

Entrei em meu apartamento e encostei a porta. Aquela revelação me assustou. Sobre este trecho do sonho, me parece um tanto estranho. O fato é que, para alguém como eu, já acostumado às experiências relacionadas à goécia (a arte do contato com demônios internos), uma revelação deste tipo não deveria me perturbar tanto mas, enfim, era um sonho e os sonhos muitas vezes seguem por uma lógica própria, a qual nem sempre correponde ao que pensamos durante os momentos de vigília.

Retornando à narração do sonho, decidi então abandonar aquele lugar e fiquei algum tempo fora do campus (eu não tenho uma percepção exata de quanto tempo se passou). No entanto, mudei de opinião e resolvi voltar. Ao retornar, encontrei um dos professores da faculdade (ao menos me parecia assim). Cumprimentou-me e começou a conversar comigo. Em certo momento indagou:
- Posso lhe fazer uma pegunta, mesmo arriscando-me a ser indiscreto?
- Sim, é claro que pode - respondi.
- Percebi que você se ausentou por um tempo. Estava pensando em nos deixar, não estava?
- Estava - confessei.

Houve uma breve pausa, como se ele estivesse ponderando sobre o que me dizer. Prosseguiu:
- Muitos têm esse impulso, mas é preciso dizer-lhe que nenhum de nós deseja mantê-lo aqui à força. Você pode nos deixar ou pode resolver ficar, mas irá se beneficiar se passar alguns anos aqui conosco.
- Como assim? Explique.
- Você gostaria de ter um significado para as pessoas?
- Um significado?
- Sim. Você quer que seu nome represente algo para as pessoas? Quer que possam procurá-lo e encontrá-lo se de fato o desejarem?
- Quero - eu disse.
- Então fique conosco - concluiu.

***

O período em que tive este sonho (e outros) foi caracterizado por muitos contatos “demoníacos” (para mais detalhes confira o post Porque Escolhi o Caminho da Mão Esquerda). Estas experiências ocorreram dentro de um processo de imersão na goécia e estou relatando-as neste blog. O que talvez não esteja muito claro nestas narrações é o motivo destes contatos terem acontecido.

Para fornecer esta explicação, é necessário considerar que estou tratando aqui sobre como segui meu próprio caminho na magia, lembrando que a arte de um mago é, principalmente, um meio para alcançar a realização própria. Existe uma crença errada que se baseia no princípio de que é preciso fazer uma escolha entre servir a si mesmo ou servir aos seus semelhantes. Por esse princípio, aqueles que decidem servir a si próprios normalmente são rotulados como egoístas. Já os que decidem servir aos demais, sem pensarem em si mesmos, são considerados altruístas.

No entanto, será que esta escolha é realmente necessária? Será que é benéfica? Imaginem se todos negassem a si mesmos em prol de uma coletividade. Seriam felizes? Certamente que não. Da mesma forma, não haveria bem algum à humanidade se cada um de nós buscasse a realização individual sem considerar os demais. Pode-se deduzir que o verdadeiro desafio não é escolher focalizar seja o indivíduo, seja o coletivo. O objetivo mais importante é satifazer ambas condições, simultaneamente.

Difícil fazer isso? Nem tanto. Quando comparando o indivíduo versus o coletivo, o que exatamente consideramos ser este coletivo? A pluralidade é homogênea (todas as pessoas são iguais) ou é heterogênea (cada pessoa tem um objetivo diferente)? É óbvio que a coletividade é heterogênea. Portanto há quem tenha ressonância conosco e também há quem tenha dissonância. Só precisamos saber reconhecer qualitativamente o que nos cerca, isolando-nos de situações em que percebemos conflitos, e buscando unir-nos àqueles que nos completam. Dessa forma as necessidades individuais e coletivas se harmonizam.

No entanto, antes de buscarmos o que nos completa, precisamos saber o que somos. É basicamente disto que trata este sonho. É a necessidade imperativa de definir a si mesmo primeiro (assumindo um compromisso nesse sentido), antes de encontrar ressonâncias externas. Enquanto não nos definimos, somos parte do problema pois nenhuma solução que se apresente a nós nos satisfaz. Nessa condição, somos uma incógnita e não criamos sinergias. Colocamo-nos literalmente em cima do muro, tornando-nos sem expressão, sem significado e, por isso mesmo, desinteressantes.

As pessoas normalmente procuram as respostas para suas vidas, só que o fazem olhando para fora de si mesmas, quando deveriam olhar para dentro de si. É dentro de cada um que está a chave para a auto-realização. Essa é uma verdade tão insuspeita quem nem sequer é necessário ocultá-la dos incautos. Você pode espalhá-la pelos quatro cantos do mundo, mas as pessoas em geral não a ouvem. Teimam em acreditar que aquilo que são, de fato, não importa para atingirem o sucesso pois julgam-se ser “meras gotas de água dentro de um imenso oceano” e, por isso mesmo, tentam se conformar. Importa para essas pessoas conseguir uma promoção, ir bem nas provas, seguirem uma religião que lhes apresenta um modelo do que devem ser (ignorando por completo o que realmente são). Enfim, focalizam no que lhes é externo. Não lhes passa pela cabeça que a realidade externa pode se tornar a consequência de uma estruturação que começa internamente, expandindo-se depois.

Não parece um tanto absurdo tentar controlar tantas condições alheias a nós mesmos? Nunca sabemos exatamente o que outra pessoa pensa e sempre cometemos erros de julgamento. Não somos infalíveis na nossa forma de avaliar o mundo. Por outro lado sabemos quem somos. Porque não partir desse princípio?

É disso que trataram estas experiências que surgiram espontaneamente na minha vida: definir-me. Enquanto eu definia a mim mesmo, é claro que minha relação com o inconsciente ia se estruturando. Não era ainda um momento para ser eficaz na realização de ritos mágicos mas eu estava criando minhas relações com o invisível. Essas relações iriam influenciar o mundo visível no devido tempo. Mas isso eu vou contar mais para frente.

sábado, 22 de março de 2014

Respondendo ao Diabo

Nos posts Uma Conversa com o “Diabo” e O Diabo e os Folhetos de Missa, narrei as duas primeiras partes de um sonho. Neste sonho, o Diabo (tal como havia se identificado a mim) levou-me primeiro ao Éden e, logo em seguida, à uma igreja. O post atual descreve a parte final do sonho.

Havíamos nos desmaterializado na igreja e estávamos então em um deserto. Apesar do Sol ali estar forte, a temperatura ambiente não me parecia quente. Caminhamos até uma rocha onde havia uma caixa sobre a mesma. O Diabo tomou-a em suas mãos, abriu-a e mostrou-me seu conteúdo. Havia ali uma pedra que brilhava quase que hipnóticamente. O interior da caixa estava escuro, protegido pela sombra, mas mesmo assim a pedra brilhava como se tivesse luz própria. Eu a observava quando ele iniciou o diálogo:

- Esta pedra representa tudo o que você possa desejar. Não existe limite para o que ela possa realizar.

Eu continuava observando-a. No entanto, eu não apenas a observava. Eu também a desejava. Ele prosseguiu:

- Você a considera interessante?
- Sim, muito interessante - respondi.
- Então sirva a mim e poderá ter tudo o que ela significa.

Assustei-me. Apesar de seduzido pelas possibilidades daquela pedra, eu não tinha intenção de submeter-me ao Diabo, mesmo que fosse para obtê-la. Dei-lhe minha resposta:

- Desculpe. Não posso. Permite que eu lhe explique o motivo?

Procurei ódio no seu olhar mas não encontrei. Na realidade ele estava prestando atenção às minhas palavras, como que interessado no que eu estava para dizer. Continuei:

- Não posso servir alguém acima de mim mesmo. Eu penso que este é o verdadeiro significado da idolatria. Não posso lhe jurar lealdade. Quero propor-lhe outra coisa.

Ele continuou prestando atenção ao que eu dizia. Dei continuidade à minha proposta:

- Eu posso me unir a você à medida que nossos ideais forem os mesmos. Se estes assim o forem, não há problema em prosseguirmos juntos. Porém, se nossos ideais forem diferentes, ou tornarem-se diferentes, cada um de nós é livre para seguir seu caminho. Que acha disso?

Ele não me deu resposta. Apenas observava e aparentemente refletia sobre o que eu lhe tinha dito. O sonho se encerrou nesse momento.

***
Nos dias que seguiram logo depois de meu sonho, um grande fluxo de intuições veio à minha mente a respeito de Lúcifer. Conforme os anos se passaram, este fluxo diminuiu mas, de tempos em tempos, sempre existiram alguns lampejos. A impressão que eu tenho é que Lúcifer acabou levando em conta a minha reposta.

Confesso que por muitos anos esse sonho me deixou um tanto confuso. Afinal trata-se de um ser que tornou-se proscrito por não aceitar uma existência de possibilidades previstas e confinadas à imutabilidade (conforme o post Uma Conversa com o “Diabo”) e, ao mesmo tempo, trata-se de alguém que usa toda uma gama de conhecimento e consciência contra uma visão estéril, auto-rotulada como cristianismo que busca se impor sobre tudo o mais como o único meio de se chegar à verdade (conforme o post O Diabo e os Folhetos de Missa). Será que ele se tornaria exatamente aquilo que persegue? Será que alguém consegue abrir a mente de outras pessoas sem abrir sua própria mente?

Só recentemente cheguei a um posicionamento a este respeito que aparenta explicar estas discrepâncias. A sugestão de Lúcifer (“Sirva-me”) foi um teste. De um lado, a possibilidade de possuir tudo o que se quer. De outro, a possibilidade de perder-se a si próprio. O teste seria: “Dependendo do preço, você abre mão de seus ideais?”. A resposta que dei-lhe foi exatamente com base nos meus ideais.

Há alguns meses conversei com uma amiga que disse que havia tido uma experiência de contato com Lúcifer há alguns anos atrás. Só que no caso dela não foi apenas um sonho, e sim um contato de aproximadamente um mês que eu presumo que tenha acontecido pelo astral. O interessante é que a narrativa dela concluiu também da mesma forma, com a mesma proposta de Lúcifer. Ela se negou, tal como eu o fiz, mas eu fico curioso para saber os detalhes de sua resposta.

Eu suspeito que Lúcifer sempre fez esta questão, às mais diversas pessoas, conforme passaram-se os milênios. A bíblia relata o momento em que Jesus respondeu a essa mesma pergunta, embora eu não saiba quão fiel ao fato original esta descrição bíblica realmente é. Confira o seguinte trecho:

Então Jesus foi levado pelo Espírito para o deserto, para ser tentado pelo diabo. Por quarenta dias e quarenta noites esteve jejuando. Depois teve fome. Então, aproximando-se o tentador, disse-lhe: "Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães".
Mas Jesus respondeu:
"Está escrito: Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus. " Então o diabo o levou à Cidade Santa e o colocou sobre o pináculo do Templo e disse-lhe: "Se és Filho de Deus, atira-te para baixo, porque está escrito: Ele dará ordem a seus anjos a teu respeito, e eles te tomarão pelas mãos, para que não tropeces em nenhuma pedra. "
Respondeu-lhe Jesus:
"Também está escrito: Não tentarás ao Senhor teu Deus. "
Tornou o diabo a levá-lo, agora para um monte muito alto. E mostrou-lhe todos os reinos do mundo com o seu esplendor e disse-lhe:
"Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares". Aí Jesus lhe disse:
"Vai-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás e só a ele prestarás culto. " Com isso, o diabo o deixou. E os anjos de Deus se aproximaram e puseram-se a servi-lo.
Mateus 4, 1-11 (Bíblia de Jerusalém)

É de senso comum no ocultismo que Jesus também foi um mago, o que eu acredito que seja verdade, mas não penso nele como o filho de Deus. Eu acredito que ele tenha sido apenas um mago como tantos outros. As experiências que ele viveu, por mais que possam ter parecido assombrosas para aqueles que com ele conviveram, não são experiências únicas. Também é óbvio que há invenções e exageros. Digamos que o mago que Jesus foi verdadeiramente é tão próximo ao mito criado sobre o mesmo quanto as bruxas verdadeiras são capazes de voar em vassouras…

Enfim, o que significa passar nessa prova de Lúcifer? Será que dá o direito a alguém de usar uma pedrinha mágica que realiza qualquer desejo? Duvido… Afinal de contas tudo na minha vida tem sido ação e reação, tal como na vida de qualquer pessoa. Você colhe aquilo que planta. Se souber plantar bem, colhe bem. Esta pergunta permanece sem resposta.

domingo, 16 de março de 2014

O Diabo e os Folhetos de Missa

No post anterior (Uma Conversa com o “Diabo”), eu comecei a narrar um sonho onde o “Diabo” havia se apresentado a mim (com ressalvas em relação a este nome mas, enfim, era um sonho). A minha narração tinha prosseguido até o momento em que eu e o Diabo havíamos entrado em um elevador e estávamos nos deslocando junto com o mesmo. Prossigo agora com o sonho.

De repente, então, nos materializamos dentro de uma igreja. Ela estava aberta e o ambiente era escuro, da maneira característica de muitos destes templos. Não havia missa naquele momento, porém diante de nós estavam posicionados alguns folhetos que as pessoas costumam utilizar para acompanhar as celebrações e assim poderem participar quando solicitadas.

O Diabo tomou em suas mãos um destes folhetos e mostrou-me. Prosseguiu dizendo:
- Há mais de cem anos eu comecei a mudar a igreja Católica. Lamento não ter conseguido começar antes.

Na sequência, iríamos então nos materializar em um novo local.

***

É certo que o sonho não acaba neste ponto (ainda há mais uma parte) mas pretendo comentar, com alguma profundidade, esta breve passagem descrita aqui. Interpretando-o à luz de minha percepção atual, vêm à minha mente a ocorrência de símbolos e contextos considerados sagrados por muitas pessoas mas que parecem mais familiares do que se supõe que deveriam ser a Lúcifer (é a forma que prefiro chamá-lo, ao invés de “Diabo” como sugere o sonho).

Observe estas afirmações atribuídas ao próprio Jesus:

Não se perturbe o vosso coração! Credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se não fosse assim, eu vos teria dito, pois vou preparar-vos um lugar, e quando eu me for e vos tiver preparado um lugar, virei novamente e vos levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver, estejais vós também.
E para onde vou, conheceis o caminho". Tomé lhe diz: "Senhor, não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho?" Diz-lhe Jesus: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai a não ser por mim. Se me conheceis, também conhecereis a meu Pai. Desde agora o conheceis e o vistes".
Filipe lhe diz: "Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta!" Diz-lhe Jesus: "Há tanto tempo estou convosco e tu não me conheces, Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Como podes dizer: 'Mostra-nos o Pai!'? Não crês que estou no Pai e o Pai está em mim? As palavras que vos digo, não as digo por mim mesmo, mas o Pai, que permanece em mim, realiza suas obras. Crede-me: eu estou no Pai e o Pai em mim. Crede-o, ao menos, por causa dessas obras.
(João 14, 1-11, Bíblia de Jerusalém)

De acordo com esse trecho, Jesus se coloca como o caminho, a verdade e a vida. Ele também se identifica plenamente com o Pai. Ele está no Pai e o Pai está nele. Muitos utilizam desta argumentação para justificar que não existe nenhum outro meio de salvação a não ser por Jesus Cristo e, portanto, pelo cristianismo. Daí que tudo o que é alheio ao cristianismo, é considerado o caminho para a danação, ao invés da salvação.

Quando essa exclusividade (no que diz respeito à salvação) é questionada, a resposta é: “Como podes dizer: 'Mostra-nos o Pai!'? Não crês que estou no Pai e o Pai está em mim?”, sendo negada a resposta a este questionamento. A repreensão conclui da seguinte forma: “As palavras que vos digo, não as digo por mim mesmo, mas o Pai, que permanece em mim, realiza suas obras. Crede-me: eu estou no Pai e o Pai em mim. Crede-o, ao menos, por causa dessas obras”.

Não me considero capaz de afirmar se Jesus de fato proferiu estas palavras que lhe foram atribuídas, mas sei que são um argumento perigoso em uma época em que nenhum de nós viu estas obras de fato e, portanto, não podemos atestá-las. O que nos é pedido neste trecho bíblico é que acreditemos em algo que nega tudo o mais sem um bom motivo para fazê-lo. Este “tudo o mais” que é negado representa justamente aquele que muitos chamam de Satanás, ou Lúcifer (embora Lúcifer e Satanás sejam palavras com significados distintos), ou o “Diabo”.

E é aí que entra o papel deste personagem controverso. Ele é diretamente negado pelo suposto sagrado, e daí que é até lógico imaginar um interesse dele nesse sentido. A questão é: que armas ele poderia utilizar? Uma possibilidade é utilizar-se da lógica, da ciência, da filosofia, dos conceitos do esoterismo e do ocultismo, das mais diversas religiões de origem pagã e, enfim, de tudo que não tem laços de dependência em relação ao cristianismo. Mas utilizar-se de toda essa gama de consciência para quê? Simples: para questionar o que, segundo a bíblia, é inquestionável. Questionar é o mesmo que acusar. A palavra Satanás, na verdade, significa exatamente isso: acusador.

Por exemplo, quando culturas inteiras foram expostas ao homicídio em massa (sob requintes de tortura), culminando até mesmo com a morte nas fogueiras, quem era o acusador? Satanás. Aliás, a igreja católica até hoje não se retratou por estes atos de crueldade e violência (embora não tenha sido a única responsável). A humanidade, em geral, não tem memória de atos tão antigos.

Já a palavra Lúcifer tem um sentido bem mais complexo. No mito era um anjo cuja função era conduzir a Luz (Lux Ferre, onde Lux é luz e Ferre é conduzir). Porém, ao invés de desejar ser meramente o condutor, ele pretendeu ser a luz. Ser a luz, de uma forma bem simplista, pode significar também ser consciente (o que envolve toda a gama da consciência que há, e não apenas uma pequena parte, a qual nega a validade do tudo o que lhe é diferente). No entanto, não se trata apenas disso. Ser a luz também significa reconhecer que a divindade está em si mesmo pois ela está em tudo. A divindade é tudo.

Aliás, a palavra Diabo também tem um significado. Ela vem de Diabolos, que é o oposto de Símbolo. O Símbolo dá significado a algo. Já Diabolo, diz respeito a destruir esse significado. De certa forma, também é verdadeira.

O que teriam os folhetos de missa a ver com tudo isso? Há um século não existiam os folhetos de missa pois eram em latim. O conteúdo destes era cifrado para a grande maioria das pessoas, e isto os tornava virtualmente inquestionáveis. A tradução da bíblia católica em diversas línguas (que aconteceu no século passado), bem como a criação dos tais folhetos, trouxe os conteúdos da religião às mentes das pessoas que assim puderam começar a questioná-los.

No próximo post eu vou concluir a narração do sonho e sua interpretação.