sábado, 22 de março de 2014

Respondendo ao Diabo

Nos posts Uma Conversa com o “Diabo” e O Diabo e os Folhetos de Missa, narrei as duas primeiras partes de um sonho. Neste sonho, o Diabo (tal como havia se identificado a mim) levou-me primeiro ao Éden e, logo em seguida, à uma igreja. O post atual descreve a parte final do sonho.

Havíamos nos desmaterializado na igreja e estávamos então em um deserto. Apesar do Sol ali estar forte, a temperatura ambiente não me parecia quente. Caminhamos até uma rocha onde havia uma caixa sobre a mesma. O Diabo tomou-a em suas mãos, abriu-a e mostrou-me seu conteúdo. Havia ali uma pedra que brilhava quase que hipnóticamente. O interior da caixa estava escuro, protegido pela sombra, mas mesmo assim a pedra brilhava como se tivesse luz própria. Eu a observava quando ele iniciou o diálogo:

- Esta pedra representa tudo o que você possa desejar. Não existe limite para o que ela possa realizar.

Eu continuava observando-a. No entanto, eu não apenas a observava. Eu também a desejava. Ele prosseguiu:

- Você a considera interessante?
- Sim, muito interessante - respondi.
- Então sirva a mim e poderá ter tudo o que ela significa.

Assustei-me. Apesar de seduzido pelas possibilidades daquela pedra, eu não tinha intenção de submeter-me ao Diabo, mesmo que fosse para obtê-la. Dei-lhe minha resposta:

- Desculpe. Não posso. Permite que eu lhe explique o motivo?

Procurei ódio no seu olhar mas não encontrei. Na realidade ele estava prestando atenção às minhas palavras, como que interessado no que eu estava para dizer. Continuei:

- Não posso servir alguém acima de mim mesmo. Eu penso que este é o verdadeiro significado da idolatria. Não posso lhe jurar lealdade. Quero propor-lhe outra coisa.

Ele continuou prestando atenção ao que eu dizia. Dei continuidade à minha proposta:

- Eu posso me unir a você à medida que nossos ideais forem os mesmos. Se estes assim o forem, não há problema em prosseguirmos juntos. Porém, se nossos ideais forem diferentes, ou tornarem-se diferentes, cada um de nós é livre para seguir seu caminho. Que acha disso?

Ele não me deu resposta. Apenas observava e aparentemente refletia sobre o que eu lhe tinha dito. O sonho se encerrou nesse momento.

***
Nos dias que seguiram logo depois de meu sonho, um grande fluxo de intuições veio à minha mente a respeito de Lúcifer. Conforme os anos se passaram, este fluxo diminuiu mas, de tempos em tempos, sempre existiram alguns lampejos. A impressão que eu tenho é que Lúcifer acabou levando em conta a minha reposta.

Confesso que por muitos anos esse sonho me deixou um tanto confuso. Afinal trata-se de um ser que tornou-se proscrito por não aceitar uma existência de possibilidades previstas e confinadas à imutabilidade (conforme o post Uma Conversa com o “Diabo”) e, ao mesmo tempo, trata-se de alguém que usa toda uma gama de conhecimento e consciência contra uma visão estéril, auto-rotulada como cristianismo que busca se impor sobre tudo o mais como o único meio de se chegar à verdade (conforme o post O Diabo e os Folhetos de Missa). Será que ele se tornaria exatamente aquilo que persegue? Será que alguém consegue abrir a mente de outras pessoas sem abrir sua própria mente?

Só recentemente cheguei a um posicionamento a este respeito que aparenta explicar estas discrepâncias. A sugestão de Lúcifer (“Sirva-me”) foi um teste. De um lado, a possibilidade de possuir tudo o que se quer. De outro, a possibilidade de perder-se a si próprio. O teste seria: “Dependendo do preço, você abre mão de seus ideais?”. A resposta que dei-lhe foi exatamente com base nos meus ideais.

Há alguns meses conversei com uma amiga que disse que havia tido uma experiência de contato com Lúcifer há alguns anos atrás. Só que no caso dela não foi apenas um sonho, e sim um contato de aproximadamente um mês que eu presumo que tenha acontecido pelo astral. O interessante é que a narrativa dela concluiu também da mesma forma, com a mesma proposta de Lúcifer. Ela se negou, tal como eu o fiz, mas eu fico curioso para saber os detalhes de sua resposta.

Eu suspeito que Lúcifer sempre fez esta questão, às mais diversas pessoas, conforme passaram-se os milênios. A bíblia relata o momento em que Jesus respondeu a essa mesma pergunta, embora eu não saiba quão fiel ao fato original esta descrição bíblica realmente é. Confira o seguinte trecho:

Então Jesus foi levado pelo Espírito para o deserto, para ser tentado pelo diabo. Por quarenta dias e quarenta noites esteve jejuando. Depois teve fome. Então, aproximando-se o tentador, disse-lhe: "Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães".
Mas Jesus respondeu:
"Está escrito: Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus. " Então o diabo o levou à Cidade Santa e o colocou sobre o pináculo do Templo e disse-lhe: "Se és Filho de Deus, atira-te para baixo, porque está escrito: Ele dará ordem a seus anjos a teu respeito, e eles te tomarão pelas mãos, para que não tropeces em nenhuma pedra. "
Respondeu-lhe Jesus:
"Também está escrito: Não tentarás ao Senhor teu Deus. "
Tornou o diabo a levá-lo, agora para um monte muito alto. E mostrou-lhe todos os reinos do mundo com o seu esplendor e disse-lhe:
"Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares". Aí Jesus lhe disse:
"Vai-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás e só a ele prestarás culto. " Com isso, o diabo o deixou. E os anjos de Deus se aproximaram e puseram-se a servi-lo.
Mateus 4, 1-11 (Bíblia de Jerusalém)

É de senso comum no ocultismo que Jesus também foi um mago, o que eu acredito que seja verdade, mas não penso nele como o filho de Deus. Eu acredito que ele tenha sido apenas um mago como tantos outros. As experiências que ele viveu, por mais que possam ter parecido assombrosas para aqueles que com ele conviveram, não são experiências únicas. Também é óbvio que há invenções e exageros. Digamos que o mago que Jesus foi verdadeiramente é tão próximo ao mito criado sobre o mesmo quanto as bruxas verdadeiras são capazes de voar em vassouras…

Enfim, o que significa passar nessa prova de Lúcifer? Será que dá o direito a alguém de usar uma pedrinha mágica que realiza qualquer desejo? Duvido… Afinal de contas tudo na minha vida tem sido ação e reação, tal como na vida de qualquer pessoa. Você colhe aquilo que planta. Se souber plantar bem, colhe bem. Esta pergunta permanece sem resposta.

domingo, 16 de março de 2014

O Diabo e os Folhetos de Missa

No post anterior (Uma Conversa com o “Diabo”), eu comecei a narrar um sonho onde o “Diabo” havia se apresentado a mim (com ressalvas em relação a este nome mas, enfim, era um sonho). A minha narração tinha prosseguido até o momento em que eu e o Diabo havíamos entrado em um elevador e estávamos nos deslocando junto com o mesmo. Prossigo agora com o sonho.

De repente, então, nos materializamos dentro de uma igreja. Ela estava aberta e o ambiente era escuro, da maneira característica de muitos destes templos. Não havia missa naquele momento, porém diante de nós estavam posicionados alguns folhetos que as pessoas costumam utilizar para acompanhar as celebrações e assim poderem participar quando solicitadas.

O Diabo tomou em suas mãos um destes folhetos e mostrou-me. Prosseguiu dizendo:
- Há mais de cem anos eu comecei a mudar a igreja Católica. Lamento não ter conseguido começar antes.

Na sequência, iríamos então nos materializar em um novo local.

***

É certo que o sonho não acaba neste ponto (ainda há mais uma parte) mas pretendo comentar, com alguma profundidade, esta breve passagem descrita aqui. Interpretando-o à luz de minha percepção atual, vêm à minha mente a ocorrência de símbolos e contextos considerados sagrados por muitas pessoas mas que parecem mais familiares do que se supõe que deveriam ser a Lúcifer (é a forma que prefiro chamá-lo, ao invés de “Diabo” como sugere o sonho).

Observe estas afirmações atribuídas ao próprio Jesus:

Não se perturbe o vosso coração! Credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se não fosse assim, eu vos teria dito, pois vou preparar-vos um lugar, e quando eu me for e vos tiver preparado um lugar, virei novamente e vos levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver, estejais vós também.
E para onde vou, conheceis o caminho". Tomé lhe diz: "Senhor, não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho?" Diz-lhe Jesus: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai a não ser por mim. Se me conheceis, também conhecereis a meu Pai. Desde agora o conheceis e o vistes".
Filipe lhe diz: "Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta!" Diz-lhe Jesus: "Há tanto tempo estou convosco e tu não me conheces, Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Como podes dizer: 'Mostra-nos o Pai!'? Não crês que estou no Pai e o Pai está em mim? As palavras que vos digo, não as digo por mim mesmo, mas o Pai, que permanece em mim, realiza suas obras. Crede-me: eu estou no Pai e o Pai em mim. Crede-o, ao menos, por causa dessas obras.
(João 14, 1-11, Bíblia de Jerusalém)

De acordo com esse trecho, Jesus se coloca como o caminho, a verdade e a vida. Ele também se identifica plenamente com o Pai. Ele está no Pai e o Pai está nele. Muitos utilizam desta argumentação para justificar que não existe nenhum outro meio de salvação a não ser por Jesus Cristo e, portanto, pelo cristianismo. Daí que tudo o que é alheio ao cristianismo, é considerado o caminho para a danação, ao invés da salvação.

Quando essa exclusividade (no que diz respeito à salvação) é questionada, a resposta é: “Como podes dizer: 'Mostra-nos o Pai!'? Não crês que estou no Pai e o Pai está em mim?”, sendo negada a resposta a este questionamento. A repreensão conclui da seguinte forma: “As palavras que vos digo, não as digo por mim mesmo, mas o Pai, que permanece em mim, realiza suas obras. Crede-me: eu estou no Pai e o Pai em mim. Crede-o, ao menos, por causa dessas obras”.

Não me considero capaz de afirmar se Jesus de fato proferiu estas palavras que lhe foram atribuídas, mas sei que são um argumento perigoso em uma época em que nenhum de nós viu estas obras de fato e, portanto, não podemos atestá-las. O que nos é pedido neste trecho bíblico é que acreditemos em algo que nega tudo o mais sem um bom motivo para fazê-lo. Este “tudo o mais” que é negado representa justamente aquele que muitos chamam de Satanás, ou Lúcifer (embora Lúcifer e Satanás sejam palavras com significados distintos), ou o “Diabo”.

E é aí que entra o papel deste personagem controverso. Ele é diretamente negado pelo suposto sagrado, e daí que é até lógico imaginar um interesse dele nesse sentido. A questão é: que armas ele poderia utilizar? Uma possibilidade é utilizar-se da lógica, da ciência, da filosofia, dos conceitos do esoterismo e do ocultismo, das mais diversas religiões de origem pagã e, enfim, de tudo que não tem laços de dependência em relação ao cristianismo. Mas utilizar-se de toda essa gama de consciência para quê? Simples: para questionar o que, segundo a bíblia, é inquestionável. Questionar é o mesmo que acusar. A palavra Satanás, na verdade, significa exatamente isso: acusador.

Por exemplo, quando culturas inteiras foram expostas ao homicídio em massa (sob requintes de tortura), culminando até mesmo com a morte nas fogueiras, quem era o acusador? Satanás. Aliás, a igreja católica até hoje não se retratou por estes atos de crueldade e violência (embora não tenha sido a única responsável). A humanidade, em geral, não tem memória de atos tão antigos.

Já a palavra Lúcifer tem um sentido bem mais complexo. No mito era um anjo cuja função era conduzir a Luz (Lux Ferre, onde Lux é luz e Ferre é conduzir). Porém, ao invés de desejar ser meramente o condutor, ele pretendeu ser a luz. Ser a luz, de uma forma bem simplista, pode significar também ser consciente (o que envolve toda a gama da consciência que há, e não apenas uma pequena parte, a qual nega a validade do tudo o que lhe é diferente). No entanto, não se trata apenas disso. Ser a luz também significa reconhecer que a divindade está em si mesmo pois ela está em tudo. A divindade é tudo.

Aliás, a palavra Diabo também tem um significado. Ela vem de Diabolos, que é o oposto de Símbolo. O Símbolo dá significado a algo. Já Diabolo, diz respeito a destruir esse significado. De certa forma, também é verdadeira.

O que teriam os folhetos de missa a ver com tudo isso? Há um século não existiam os folhetos de missa pois eram em latim. O conteúdo destes era cifrado para a grande maioria das pessoas, e isto os tornava virtualmente inquestionáveis. A tradução da bíblia católica em diversas línguas (que aconteceu no século passado), bem como a criação dos tais folhetos, trouxe os conteúdos da religião às mentes das pessoas que assim puderam começar a questioná-los.

No próximo post eu vou concluir a narração do sonho e sua interpretação.